02 outubro 2009
Boa memória (6)
Esta é a minha primeira e única intervenção cívica durante a campanha eleitoral para as autarquias locais e nada tem de inédito. Trata-se da reposição de um texto por mim aqui publicado há três anos e meio.
Muito frequentemente, a maioria dos eleitos para a assembleia municipal e para a câmara municipal pertence ao mesmo partido e existe a errada ideia de que o primeiro desses órgãos tem papel secundário.
Mas não era esse o espírito do legislador. Por desconhecimento dos processos de decisão e do funcionamento dos órgãos das autarquias locais, a esmagadora maioria dos eleitores tende a votar no mesmo partido para ambos os órgãos, supondo com isso fortalecer o poder.
Contudo, na prática enfraquece-o porque anula o papel deliberativo e fiscalizador atribuído às assembleias municipais.
Há provas mais que suficientes de que se uma assembleia municipal tiver maioria de deputados de cor política diferente da que prevalece na câmara, conforme a lei previu é aquele órgão que desempenha o papel-chave nas deliberações.
Pelo contrário, quando a maioria política em ambos os órgãos é idêntica, a função deliberativa e fiscalizadora da assembleia municipal perde relevância e, por extensão, dilui-se até o poder das juntas e assembleias de freguesia, visto que o funcionamento destes órgãos depende, significativamente, da descentralização de funções e do financiamento camarário.
Sempre que a maioria nos dois órgãos municipais é de um só partido, o centro do poder desloca-se para os vereadores com funções executivas na câmara. Até o papel dos vereadores da oposição é secundário.
Mas se as maiorias forem diferentes, o poder reside – e muito bem – na assembleia ou parlamento municipal.
Há provas evidentes de que a democracia e o poder local em nada beneficiam com maiorias monocolores nos dois órgãos municipais. Em Alcochete, inclusive.
Um exemplo prático: será possível, num município monocolor, tentar aprovar uma moção de censura à câmara, sanção política prevista na lei das autarquias como uma das competências exclusivas da assembleia municipal? Em Alcochete, pelo menos, não há memória recente de que tal tenha sucedido.
Analisando os resultados das eleições para as autarquias registados desde 1976 no concelho de Alcochete, raramente o mesmo partido teve mais de 100 votos de diferença entre ambos os órgãos.
Vale a pena recordar que a lei das autarquias locais (Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro) determina que "a assembleia municipal é constituída pelos presidentes das juntas de freguesia e por membros eleitos pelo colégio eleitoral do município, em número igual ao daqueles mais um" e que "o número de membros eleitos directamente não pode ser inferior ao triplo do número de membros da respectiva câmara municipal."
A intenção do legislador foi clara ao definir este esquema: criar um parlamento municipal e evitar que a maioria política na gestão camarária influencie as decisões da assembleia.
Voltando ao caso de Alcochete: as intenções do legislador são iludidas quando na câmara e na assembleia há confortável maioria de uma só cor partidária.
O centro do poder desloca-se de um órgão de 24 membros (assembleia) para um outro de apenas sete (câmara), e mesmo neste o papel dos vereadores da oposição tem sido meramente decorativo.
Este é o momento oportuno para recomendar aos eleitores alcochetanos que reforcem o papel do poder local votando em partidos diferentes para a câmara e assembleia municipal.
Verão que a assembleia renascerá como parlamento e principal órgão autárquico – conforme a lei previu – e que nela deixarão de existir apenas "bonzos".
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3 comentários:
Caro amigo FB:
Concordo na substância com as suas análises, no entanto defendo há muitos anos a revisão da Lei da Autarquias Locais, acabando com a eleição directa do orgão executivo(Câmara Municipal), defendo que este como sendo um orgão executivo, deveria ser eleito dentro da própria Assembleia Municipal, à semelhança do que acontece com a nossa Assembleia da Républica.
Quanto à questão das maiorias, caberia ao povo decidir se quereria um Executivo Camarário maioritário ou não.
Este seria no meu ponto de vista, a melhor maneira de vitalizar o papel da Assembleia Municipal.
Tudo aquilo que o Sr. Fonseca Bastos refere como negativo reporta-se à existência de uma MAIORIA ABSOLUTA no executivo e nas assembleias, quer sejam municipais quer sejam de freguesia. No caso das maiorias relativas, conforme foi previsto pelo legislador, o modelo cumpre perfeitamente a sua função. As questões que levanta relativamente aos órgãos autárquicos são exactamente iguais às existentes entre o Governo e a Assembleia da República, salvaguardada a questão da dimensão. Percebo perfeitamente o problema que levanta relativamente ao equilíbrio de poderes, embora eu, pessoalmente, não gostasse de ver o poder executivo ser exercido pelo poder legislativo, ou pelo órgão fiscalizador.
A alteração proposta pelo Sr. Sergio Silva deixa tudo como está, pois uma maioria absoluta eleita de uma forma ou de outra não provoca nenhuma alteração substâncial às questões levantadas pelo Sr. Fonseca Bastos.
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