12 junho 2012

Município de Alcochete: Um caso "sui generis"

O Município de Alcochete constitui um caso “sui generis”. Único no País. Um Município com 128,5 Km” e com três Freguesias. No qual, uma delas, a de Alcochete, com 119,5 Km”, detém cerca de 93% do território municipal. As restantes, a Freguesia de Samouco, com 4,8 Km”, ocupa 3,7% e a Freguesia de S. Francisco, com 4,2 Km”, possui apenas 3,3% da área total do Município. Não existe em Portugal nenhum outro Concelho, com três ou mais freguesias, onde uma delas ocupe, por si só, mais de 90% do território municipal.
Trata-se de um caso deveras singular. De um claro fenómeno de subalternização territorial. Que convém perceber com o indispensável detalhe até porque actualmente as “coisas” como estão não estão bem.
Para melhor se entender, façamos então uma retrospectiva da situação.
O Município de Alcochete tem mantido mais ou menos intactos os seus actuais limites desde os tempos da Restauração. Só após o 25Abr1974 sofreu algumas importantes modificações. Das quais destaco duas.
Em 1985, pela Lei nº 75/84 de 31Dez, é criada a Freguesia de S. Francisco. Uma Freguesia considerada como área predominantemente rural, com tradições campesinas, de dimensões reduzidas, que ficou circunscrita apenas ao lugar de S. Francisco e a alguns terrenos agrícolas adjacentes.
Em 2005, através da Lei nº 35/2005 de 28Jan, são fixados novos limites territoriais ao Município e às Freguesias de Alcochete e Samouco. Com o objectivo de integrar os sapais situados entre a Praia dos Moinhos e a Praia do Samouco, até então área considerada como terra de ninguém, “no man”s land”, foram adicionados ao Concelho os territórios estuarinos a descoberto na baixa mar, numa extensão de 3.400 hectares. Deste total, 3.200 hectares foram “metidos” na Freguesia de Alcochete, enquanto à Freguesia do Samouco foram acrescentados somente 200 hectares do mesmo. Ou seja, à Freguesia de Alcochete coube uma parcela de 94%, ficando para a Freguesia de Samouco apenas 6% de toda aquela zona húmida, popularmente designada por “salinas do Samouco”. À Freguesia de Samouco pouco se acrescentou; à Freguesia de Alcochete atribuiu-se a quase totalidade da área de sapal entre Samouco e Alcochete. Enfim...as salinas dizem-se do Samouco mas quem ficou com quase todas elas foi Alcochete.
Deste modo, chegados aos dias de hoje, a Freguesia de Alcochete, uma freguesia de tipologia predominantemente urbana, possui o território do aglomerado da “vila maior”, quase toda a zona de sapal entre as praias de Samouco e dos Moinhos, a restante área de sapal no prolongamento do Sítio das Hortas e ainda as vastas áreas naturais e rurais a nascente e sul do Município. Por seu turno, S. Francisco, uma Freguesia com uma tipologia rural e camponesa, tal qual era considerada na sua génese, está limitada ao seu centro histórico e a uma diminuta área envolvente. Enquanto o Samouco, vila urbana embora com forte pendor agrícola e piscatório, mantém praticamente inalterado o pequeno espaço que ocupa no Município.
Como facilmente se observa, existe aqui uma evidente supremacia territorial por parte da Freguesia de Alcochete. Em detrimento das restantes. Certamente existiram razões históricas para que assim fosse; porém, hoje nada justifica que assim seja. Provavelmente terão sido motivos de natureza financeira, decorrentes do Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF), que conduziram a esta situação, já que 15% do montante inscrito no Fundo se distribui em função da área que cada Freguesia ocupa.
Creio, contudo, que presentemente nenhum munícipe das diferentes Freguesias deseja que as “coisas” continuem a permanecer desta maneira. Traduzindo uma manifesta discriminação das Freguesias do Samouco e S. Francisco relativamente à de Alcochete. A que urge por cobro.



Surgiu entretanto a Lei sobre a Reorganização Administrativa Territorial Autárquica. A Lei nº 22/2012 de 30Mai. Para além da muito discutida agregação de Freguesias, torna-se agora também exequível corrigir a contiguidade territorial entre Freguesias e Municípios. Bastando para o efeito um processo simplificado que envolve, no essencial, o “dever de Pronúncia” das Assembleias Municipais a remeter à AR.
É caso para dizer que a Reforma do Poder Local vem no tempo certo. Em Alcochete não se vão agregar Freguesias mas pode-se utilizar os mecanismos previstos na nova Lei para terminar com este anómalo caso “sui generis”. Onde uma Freguesia tem quase tudo e as outras nada. Por isso, reorganizar o território do Concelho, conferindo maior dimensão às duas Freguesias “mais pequenas”, assume-se como uma imperiosa necessidade para equilibrar todo o espaço municipal.
Dar território rural à Freguesia de S. Francisco e ceder território da zona húmida dos sapais das “salinas do Samouco” à Freguesia de Samouco afigura-se praticável e não “belisca” a Freguesia de Alcochete. Esta continuaria a manter a sua preponderância no controlo da maior parte do território do Concelho e não veria afectado o montante que anualmente recebe do FFF (em 2012, Alcochete recebeu 121.730 euros; Samouco cerca de 35.424 euros e S. Francisco 23.940 euros).



Alcochete pode pois constituir um exemplo para o País. Pode aproveitar as virtualidades da Reforma do Poder Local, reorganizando o seu território em benefício das Freguesias e respectivas populações.
É sabido que os nossos autarcas estão relutantes em aplicar tão importante Reforma. Apenas porque é uma Reforma de inspiração social democrata. Já que para a maioria comunista, tudo o que venha do Governo da República ou de Bruxelas é para repudiar. Excepção para as transferências financeiras correntes e outros financiamentos. Mas a Câmara Municipal devia transmitir, desde já, um claro sinal de mudança. De abertura às novas realidades.
De resto, seria óptimo para o Município que a Câmara Municipal invertesse a sua tradicional postura de rejeição e começasse por “agarrar” esta Reforma. Numa lógica de cooperação institucional com o Governo e com todas as “forças vivas” de Alcochete. Não apenas com aquelas associadas à sua base social de apoio. Iniciar o processo de reorganização dos limites das Freguesias seria um primeiro passo. Outros se seguiriam. Com consenso, tudo melhor se faz. Tudo melhor se planeia.
Por fim, importa sublinhar que, à semelhança do que acontece com os “fregueses” de Samouco e S. Francisco, também os “fregueses” da Vila de Alcochete bem percebem o alcance e o propósito do que aqui, nas páginas do “Alcaxete”, se apresenta sobre o assunto em questão. Sobre a importância de dar racionalidade, equilíbrio e maior homogeneidade às três Freguesias. E percebendo os “fregueses”, certamente que os autarcas também percebem...


João Manuel Pinho/Samouco

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