O Município de Alcochete constitui um caso “sui generis”. Único
no País. Um Município com 128,5 Km” e com três Freguesias. No qual, uma
delas, a de Alcochete, com 119,5 Km”, detém cerca de 93% do território
municipal. As restantes, a Freguesia de Samouco, com 4,8 Km”, ocupa
3,7% e a Freguesia de S. Francisco, com 4,2 Km”, possui apenas 3,3% da
área total do Município. Não existe em Portugal nenhum outro Concelho,
com três ou mais freguesias, onde uma delas ocupe, por si só, mais de
90% do território municipal.
Trata-se de um caso
deveras singular. De um claro fenómeno de subalternização territorial.
Que convém perceber com o indispensável detalhe até porque actualmente
as “coisas” como estão não estão bem.
Para melhor se entender, façamos então uma retrospectiva da situação.
O
Município de Alcochete tem mantido mais ou menos intactos os seus
actuais limites desde os tempos da Restauração. Só após o 25Abr1974
sofreu algumas importantes modificações. Das quais destaco duas.
Em
1985, pela Lei nº 75/84 de 31Dez, é criada a Freguesia de S. Francisco.
Uma Freguesia considerada como área predominantemente rural, com
tradições campesinas, de dimensões reduzidas, que ficou circunscrita
apenas ao lugar de S. Francisco e a alguns terrenos agrícolas
adjacentes.
Em 2005, através da Lei nº 35/2005 de
28Jan, são fixados novos limites territoriais ao Município e às
Freguesias de Alcochete e Samouco. Com o objectivo de integrar os sapais
situados entre a Praia dos Moinhos e a Praia do Samouco, até então área
considerada como terra de ninguém, “no man”s land”, foram adicionados
ao Concelho os territórios estuarinos a descoberto na baixa mar, numa
extensão de 3.400 hectares. Deste total, 3.200 hectares foram “metidos”
na Freguesia de Alcochete, enquanto à Freguesia do Samouco foram
acrescentados somente 200 hectares do mesmo. Ou seja, à Freguesia de
Alcochete coube uma parcela de 94%, ficando para a Freguesia de Samouco
apenas 6% de toda aquela zona húmida, popularmente designada por
“salinas do Samouco”. À Freguesia de Samouco pouco se acrescentou; à
Freguesia de Alcochete atribuiu-se a quase totalidade da área de sapal
entre Samouco e Alcochete. Enfim...as salinas dizem-se do Samouco mas
quem ficou com quase todas elas foi Alcochete.
Deste
modo, chegados aos dias de hoje, a Freguesia de Alcochete, uma freguesia
de tipologia predominantemente urbana, possui o território do
aglomerado da “vila maior”, quase toda a zona de sapal entre as praias
de Samouco e dos Moinhos, a restante área de sapal no prolongamento do
Sítio das Hortas e ainda as vastas áreas naturais e rurais a nascente e
sul do Município. Por seu turno, S. Francisco, uma Freguesia com uma
tipologia rural e camponesa, tal qual era considerada na sua génese,
está limitada ao seu centro histórico e a uma diminuta área envolvente.
Enquanto o Samouco, vila urbana embora com forte pendor agrícola e
piscatório, mantém praticamente inalterado o pequeno espaço que ocupa no
Município.
Como facilmente se observa, existe aqui
uma evidente supremacia territorial por parte da Freguesia de Alcochete.
Em detrimento das restantes. Certamente existiram razões históricas
para que assim fosse; porém, hoje nada justifica que assim seja.
Provavelmente terão sido motivos de natureza financeira, decorrentes do
Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF), que conduziram a esta
situação, já que 15% do montante inscrito no Fundo se distribui em
função da área que cada Freguesia ocupa.
Creio,
contudo, que presentemente nenhum munícipe das diferentes Freguesias
deseja que as “coisas” continuem a permanecer desta maneira. Traduzindo
uma manifesta discriminação das Freguesias do Samouco e S. Francisco
relativamente à de Alcochete. A que urge por cobro.
Surgiu
entretanto a Lei sobre a Reorganização Administrativa Territorial
Autárquica. A Lei nº 22/2012 de 30Mai. Para além da muito discutida
agregação de Freguesias, torna-se agora também exequível corrigir a
contiguidade territorial entre Freguesias e Municípios. Bastando para o
efeito um processo simplificado que envolve, no essencial, o “dever de
Pronúncia” das Assembleias Municipais a remeter à AR.
É
caso para dizer que a Reforma do Poder Local vem no tempo certo. Em
Alcochete não se vão agregar Freguesias mas pode-se utilizar os
mecanismos previstos na nova Lei para terminar com este anómalo caso
“sui generis”. Onde uma Freguesia tem quase tudo e as outras nada. Por
isso, reorganizar o território do Concelho, conferindo maior dimensão
às duas Freguesias “mais pequenas”, assume-se como uma imperiosa
necessidade para equilibrar todo o espaço municipal.
Dar
território rural à Freguesia de S. Francisco e ceder território da zona
húmida dos sapais das “salinas do Samouco” à Freguesia de Samouco
afigura-se praticável e não “belisca” a Freguesia de Alcochete. Esta
continuaria a manter a sua preponderância no controlo da maior parte do
território do Concelho e não veria afectado o montante que anualmente
recebe do FFF (em 2012, Alcochete recebeu 121.730 euros; Samouco cerca
de 35.424 euros e S. Francisco 23.940 euros).
Alcochete
pode pois constituir um exemplo para o País. Pode aproveitar as
virtualidades da Reforma do Poder Local, reorganizando o seu território
em benefício das Freguesias e respectivas populações.
É
sabido que os nossos autarcas estão relutantes em aplicar tão
importante Reforma. Apenas porque é uma Reforma de inspiração social
democrata. Já que para a maioria comunista, tudo o que venha do Governo
da República ou de Bruxelas é para repudiar. Excepção para as
transferências financeiras correntes e outros financiamentos. Mas a
Câmara Municipal devia transmitir, desde já, um claro sinal de mudança.
De abertura às novas realidades.
De resto, seria
óptimo para o Município que a Câmara Municipal invertesse a sua
tradicional postura de rejeição e começasse por “agarrar” esta Reforma.
Numa lógica de cooperação institucional com o Governo e com todas as
“forças vivas” de Alcochete. Não apenas com aquelas associadas à sua
base social de apoio. Iniciar o processo de reorganização dos limites
das Freguesias seria um primeiro passo. Outros se seguiriam. Com
consenso, tudo melhor se faz. Tudo melhor se planeia.
Por
fim, importa sublinhar que, à semelhança do que acontece com os
“fregueses” de Samouco e S. Francisco, também os “fregueses” da Vila de
Alcochete bem percebem o alcance e o propósito do que aqui, nas páginas
do “Alcaxete”, se apresenta sobre o assunto em questão. Sobre a
importância de dar racionalidade, equilíbrio e maior homogeneidade às
três Freguesias. E percebendo os “fregueses”, certamente que os autarcas
também percebem...
João Manuel Pinho/Samouco
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