Confesso que passei décadas a analisar com os meus alunos esta obra ímpar de Camilo sem nunca me sentir intelectualmente satisfeito com a mensagem que lhes transmitia.
Eu era influenciado pelas ferramentas que me tinham sido dadas na Universidade e, face ao Amor de Perdição (1862) pouco mais referia aos jovens que o conceito pundonor (ponto de honra): o de Tadeu de Albuquerque sobre o amor à filha; o de Domingos Botelho sobre o amor ao filho; o de Teresa e Simão sobre o amor que confessam um ao outro. Depois complementava com noções de Romantismo, narratologia e gramática. E pronto, a obra estava dada.
A verdade é que se eu dissesse aos meus alunos sobre Literatura metade do que aqui tenho escrito neste blog, a direcçãp da escola pôr-me-ia num qualquer gabinete entretido com coisa nenhuma. Isto só não me aconteceu - devo dizer a verdade - porque eu só comecei a suspeitar das coisas que aqui digo quando já tinha mais de 50 anos. A minha última meia dúzia de anos no Ensino foi uma tortura não só pela reforma odiosa dos socialistas, mas também porque me descobri um instrumentozinho do Estado para a submissão da sociedade ao Estado. A respeito disto vejamos o que nos diz o sábio: «a estatização do ensino é, entre nós, uma constante desde a fundação da universidade pombalina nos finais do séc. XVIII, [...]. O caso insólito do aparecimento de universidades privadas, há dois séculos rigidamente proibidas pelo Estado, no momento em que a revolução socialista de 74 estatizava violentamente as instituições, as grandes empresas financeiras e até as propriedades fundiárias, seria o desmentido desse controlo se não acontecesse terem sido as universidades privadas condicionadas, na formação dos seus corpos docentes e nos seus programas escolares, de tal modo que não passam de extensões administrativas das universidades do Estado. O caso insólito da sua fundação reduziu-se, afinal, a um recurso da corporação universitária para pôr ao abrigo de algum excesso revolucionário os seus professores. Como, depois, os graus inferiores do ensino, em especial o secundário, sempre tratados com humilhante desdém, estão limitados pelo Ministério da Educação a transmitir os conhecimentos ministrados na Universidade, fica controlada a totalidade do ensino escolar» (Palma, Ernesto, O Plutocrata, Serra d'Ossa, Lisboa, 1996).
Voltemos à vaca-fria. Afinal qual a mensagem de Amor de Perdição? Esta novela camiliana insere-se na melhor tradição de toda a nossa Literatura: a aristocracia é uma casa desavinda contra si própria, restando-lhe só a ruína. Alegoricamente, isto é representado pelo ódio de duas famílias da nobreza que impedem sem apelo nem agravo o amor dos filhos (Simão e Teresa). Estes morrem...
A burguesia ascende ao grande estrado do poder e a aristocracia perde a direcção da História e desce em definitivo. Eis por que, na diegese (história), Teresa não é substituída no coração de Simão por Mariana, filha de um trabalhador independente.
Para mim, Amor de Perdição de Camilo é uma obra realista porque expressão de eminente adequação ao real.
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