18 novembro 2009

A praça oculta de Alcochete

Existe dissimulada em Alcochete uma praça com nome de largo. Podemos apontar o Largo de São João como o único de dois grandes espaços publico em Alcochete do núcleo Histórico (ou outro, é o actual jardim do Rossio), ambos com a mesma origem, ambos bem assimilados pela população. Mas a importância que o Largo de São João tem no contexto urbano de Alcochete não está correctamente contextualizada.
A importância da praça no desenho urbano torna-se relevante no contraste que existe entre o espaço publico e o espaço privado. Ao privado associa-se as actividades da casa, do intimo e do trabalho e o domínio da acção está no domínio da esfera publica. O privado está na base da necessidade, enquanto o publico está na liberdade.
Mas qual a diferença entre um largo e uma praça? Na definição das duas palavras quase nada mas morfologicamente apresentam algumas diferenças. Ambas são o resultado do espaço vazio em contraponto ao espaço edificado. No entanto, um largo não tem a complexidade de relações que uma praça possui, sendo quase sempre o resultando do espaço que sobra da intercepção de duas ou mais ruas sem a necessidade de uma atenção especial ou uma regularização ao nível da forma. A diferença na definição de largo ou praça é que devido a sua importância, são o resultado de transformações posteriores ou o resultado de uma acção de de regularização dos espaços. Dai, normalmente, apresentem uma configuração diferente, quer ao nível da escala, quer ao nível do enquadramento urbano.
Morfologicamente, a praça é o resultado do vazio delimitado pelo privado, que cunha a memória colectiva e actividade pública das populações. É na praça que se troca os produtos, é na praça que se aplica o poder (a praça medieval possuía, por norma, o pelourinho para administrar o poder de uma forma populista como o objectivo de dar o exemplo as populações), onde se organizava as festas, onde se dá as palestras, onde se marcam os encontros. De resto, desde a antiguidade até aos nossos tempos muito pouco se alterou em relação a função social da praça publica. Embora em Alcochete o centro político de origem foi no actual Largo de Republica, muito facilmente transitou para o Largo de São João. A razão desta migração é simples. Segundo os textos, havia em Alcochete dois rossios. Segundo o tombo do concelho, de 1548, “A vila tinha dois rossios, um que partia das casas que foram do infante D. Fernando até as fontainhas, onde lavavam as mulheres, e outro da igreja de S. João ate a cabeça da vila”. Um rossio no período medieval era um espaço amplo que se encontrava normalmente nas entradas ou saídas dos centros urbanos. O objectivo era proporcionar um espaço livre considerável para a realização e eventos de massa - tal como mercados e feiras - ou até, o despejo de lixos ou outras actividades menos nobres, que necessitavam de ser realizadas fora dos aglomerados. Neste caso em particular, o rossio onde “lavavam as mulheres”, é o que nos tempos de hoje continuamos a chamar rossio, na Av. D. Manuel I. O outro era então o actual Largo de São João, com a Igreja á cabeça. O que acontecia neste rossio podemos verificar segundo s textos de Garcia de Resende e Gabriel Pereira:
"(...) Estando El-Rei em Alcochete, indo um dia de casa a pé com a Rainha, e damas e senho-res e muitos fidalgos a ver correr touros no terreiro junto da igreja, acertou que metendo um touro na cancelia fugio do corro e veio por a rua principal por onde El-Rei ia, e diante io touro vinha muita gente fugindo com grande gritaria.(...)
A administração do poder local na zona e Alcochete e Aldeia Galega (Montijo), antes da atribuição do foral em 1515 por D. Manuel I, era feito na freguesia de Nossa Senhora da Sebonha, hoje a zona onde se localiza São Francisco, através do convento então existente. Devido ao elevado crescimento populacional nas duas localidades, o Rei atribuiu um foral desdobrando administração das ambas para dois novos concelhos em dois novos centros administrativos. No caso de Alcochete, a administração foi deslocada para a freguesia do mesmo nome com sede na Igreja de S. João Baptista, a Igreja matriz de Alcochete. Esta operação vai dar uma nova centralidade ao largo de São João. Obviamente, acaba por acontecer mais tarde, a deslocação dos paços do concelho para a mesma zona, no séc. XVIII, tendo então ocupado a antiga casa-solar da antiga família dos Pereiras.
No ponto de vista histórico, compreende-se então a importância deste antigo rossio em particular, onde os nobres vinham ver correr os touros, que passou a servir a sede religiosa do concelho, a sede do poder local com a deslocação dos paços do concelho e onde ficava outras referencias da memória da população, como o poço da vila - que antes da canalização das aguas servia a população da vila - ou até, de uma forma aparentemente indiferente mas que tem a sua importância, o primeiro candeeiro a gás, quando a iluminação no resto da vila se fazia a petróleo. Verificamos que ainda hoje, é no largo de São João que acontece os principais eventos na vila e onde se centra a actividade económica dentro do centro histórico. Ainda hoje, continua a ser a sede do poder político, a sede do poder religioso e a sede da memória colectiva daquilo que representa e representou Alcochete para a sua população.
Com este contexto, o largo de São João tem condições para que se altere morfologicamente para ser a praça de Alcochete. Atendendo ao desenho urbano, o Largo de S. João tem forma trapezoidal com cerca de 75 metros de comprimento e em largura, 35 metros no ponto mais largo e 25 metros no ponto mais estreito, ladeado por edificado com variação de pisos entre 1 a 3 pisos com construções que variam entre o séc. XIV e a actualidade, o que significa que carrega consigo potencialidade, quer no ponto de vista da sua configuração, localização e dimensão para se efectuar uma proposta concreta que alterem com o objectivo de preservar e manter o carácter e a função que sustentou ao logo dos tempos.

3 comentários:

Rogério P S Silva disse...

Gostei!

Bom trabalho!

Parabéns!

Angelo Melo disse...

Bom trabalho Bruno, independentemente de estar resumido, está muito, muito bom.
Parabèns!

Pedro Giro disse...

Bruno está um excelente trabalho,de um jovem mas grande Arquitecto e que o vai provar futuramente!