Os Paços do Concelho de Alcochete nem sempre se situaram no actual edifício, no Largo de São João, que originalmente era o Solar dos Pereiras, construído, em finais do séc. XVI, por Gomes Neto Pereira, senhor do morgado que instituiu o fidalgo Nuno Álvares Pereira Velho Morais com o Padroado da Misericórdia de Aldeia Galega (hoje Montijo).
O actual imóvel tem pouco a ver com o solar quinhentista, devido a sucessivas adaptações, ampliações e reconstruções, pelo menos desde o séc. XVIII.
A derradeira remodelação significativa data de 1996, no mandato de um dos executivos presididos por Miguel Boieiro, ficando apenas incólume o elemento arquitectónico mais emblemático: a frontaria.
Largo da República em época próxima daquela a que se refere o texto.
Os Paços do Concelho situavam-se no primeiro piso do edifício em frente.
Os Paços do Concelho situavam-se no primeiro piso do edifício em frente.
Largo da República na actualidade. Os Paços do Concelho situavam-se
no primeiro piso do edifício coberto de ladrilhos castanhos.
no primeiro piso do edifício coberto de ladrilhos castanhos.
Anteriormente, os Paços do Concelho situavam-se no Largo da República – o da estátua do salineiro, denominado Largo da Praça antes de 1910 e, até há poucas décadas, terreiro de cavaqueira dos homens da terra – num edifício outrora e ainda hoje forrado de ladrilhos castanhos, que alberga, actualmente, a «Loja das Gémeas» (antes loja do Zé Canta), reportando-se a esse edifício os factos do período abrangido por esta recolha de informação.
Até ao momento não consegui apurar o ano da transferência da sede do município para o Largo de São João, parecendo ser anterior a 1957, nem a duração da ocupação do edifício situado atrás da escultura de homenagem ao salineiro.
Para este a transferência foi posterior 1915, ano da edição de um anuário comercial que mencionava situarem-se os Paços do Concelho e várias repartições públicas no antigo palácio da família Pato (possivelmente em dependência situada a Nascente da actual Quinta da Praia das Fontes, na esquina do Largo Marquês de Soydos com a Avenida da Restauração).
O edifício do Largo da República albergou, pelo menos desde 1923, outros serviços públicos (repartição de finanças, nomeadamente), de acordo com artigo publicado no Verão de 1940 no jornal «O Século».
Vem a propósito recordar que, acerca de Alcochete, há vastíssima e valiosa informação disponível, nomeadamente no Arquivo Distrital de Setúbal e na Torre do Tombo, nunca devidamente estudada nem documentada, salvo casos pontuais de escassas obras editadas e à venda no Posto de Turismo situado no Museu de Arte Sacra ou para consulta na Biblioteca Pública Municipal.
Observem-se atentamente, por exemplo, as 24 páginas de registos da documentação sobre Alcochete na muito limitada versão electrónica do acervo da Torre do Tombo, onde há pistas suficientes para anos de trabalho de historiadores e de estudiosos.
Quase nada sabemos hoje acerca do passado, embora muito haja para explorar nos arquivos nacionais. O que há localmente referenciado, da primeira metade do século passado, resume-se quase só a escassas obras editadas ou reeditadas pelo município – iniciativa interrompida, há anos, sem justificações conhecidas – além de um valioso mas disperso arquivo fotográfico de Joaquim da Costa Godinho e de pitorescos relatos do poeta e prosador alcochetano António Rei cuja leitura recomendo.
O equilíbrio difícil dos orçamentos municipais
Também nas actas camarárias da década de 30 encontrei vasta e relevante informação.
Por exemplo: o mais antigo empréstimo bancário de longo prazo, concedido ao município pela então Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, data de 27 de Outubro de 1926.
Em 1938 continuava por amortizar e a respectiva prestação mensal era de 6.545$60 (duas vezes e meia o valor dos vencimentos do pessoal da secretaria municipal).
Em 1934 fora feito segundo empréstimo, cuja amortização ascendia a 3.494$30.
A câmara possuía duas apólices de seguro do edifício dos Paços do Concelho, no Largo da República. O prémio anual e encargos da respeitante a riscos de incêndio era de 157$70 e a outra apólice cobria apenas o recheio, sendo de valor idêntico.
Outrora, como hoje, as limitações orçamentais eram significativas.
Entre Janeiro e Outubro de 1938 a câmara gasta 504$00 em chamadas telefónicas e, em Setembro de 1939, o vereador Manuel Ferreira da Costa propõe que "o telefone da câmara seja apenas utilizado pela vereação e pelos funcionários em assuntos de carácter oficial".
A proposta demonstra que as preocupações com a factura dos telefones são antigas. Contudo, essas despesas foram subindo e, no ano de 1940, só de chamadas a câmara pagaria 967$80. No ano seguinte seriam 1663$00, pelo que a decisão dos vereadores terá sido vã.
Na época a manutenção da rede telefónica interna custava anualmente 300$, conforme pagamento autorizado em Março de 1940 à Anglo Portuguese Telephone Company, companhia inglesa antecessora dos Telefones de Lisboa e Porto (TLP), que viriam a suceder-lhe no início da década de 60.
As contas camarárias de 1939, apresentadas pelo tesoureiro municipal, Arnaldo de Brito Figueiroa, mencionam os seguintes valores: saldo do ano anterior, 41.534$20. Cobranças do ano, 277.059$20. Despesas, 308.953$81. O saldo do ano ascendeu a 9.639$66, mais 6.649$90 de "saldo em documentos".
Em plena guerra, o orçamento para 1941 ascende a 322.702$07 e o de 1942 a 312.350$47. A conta de gerência desse mesmo ano apresenta receitas de 307.861$80 (incluindo o saldo do ano precedente) e despesas de 307.269$30, havendo um remanescente para o ano seguinte de 592$56 em dinheiro e de 689$30 em documentos.
O orçamento para 1942 contempla receitas de 312.350$47 e o de 1943 de 356.528$61.
As contas do município em 1942 apresentam os seguintes resultados: Receita - 310.357$16; despesa - 281.304$33. O saldo para o ano seguinte era de 29.052$83 em dinheiro e mais 761$50 em documentos por liquidar.
As contas da gerência de 1943 referem: Receita - 369.549$93; despesa - 349.501$75. Saldo para o ano seguinte; 20.048$78 em dinheiro e 372$70 em documentos por liquidar.
O orçamento para 1944 elevar-se-ia a 394.763$97.
Tal como hoje, a câmara suportava as despesas das escolas primárias – arrendamentos, aquisição de impressos, conservação, limpeza, etc. – e o Estado pagava apenas aos professores.
Algumas despesas da secção de finanças eram também suportadas pelo município, como a limpeza regular da sala ocupada por esse serviço.
Pessoal camarário: "pau para toda a colher"
Em meados de 1938 a secretaria municipal de Alcochete tinha escassos funcionários e os respectivos vencimentos somavam 2.700$ mensais, valor que se manteria constante até ao início de 1942. A dedução é fácil: um fiscal e cobrador de impostos ganhava mensalmente 550$00.
Em Junho de 1940 a câmara decide publicar no «Diário do Governo» anúncio de abertura de concurso para o cargo de aferidor de pesos e medidas do concelho, cujo ordenado era de 95$00.
Na mesma altura a câmara decide integrar quatro funcionários sem contrato de provimento definitivo, um dos quais era electricista e prestava serviço há 12 anos. O seu contrato passaria a ser anual e tinha de ordenado 600$00 mensais.
Será curioso determo-nos nas regras estabelecidas para o provimento do lugar de electricista, cujas funções eram polivalentes.
Durante 15 dias no mês, da uma da madrugada ao nascer do sol, prestava serviço nocturno na pequena central eléctrica da vila, que abastecia (mal e com imensas falhas) umas dezenas de consumidores privados e a meia centena de candeeiros de iluminação pública então existentes.
Nos outros 15 dias trabalhava do pôr do sol à uma da madrugada, tendo como missão reparar a rede eléctrica, colocar lâmpadas, contar a electricidade consumida, reparar contadores e quaisquer outros serviços inerentes ao cargo.
Na central eléctrica seria ainda provido um lugar de condutor de motores, cujo funcionário tinha nove anos de serviço mas nunca fora legalmente nomeado. O seu contrato era também anual e o ordenado de 500$00 mensais.
Tinha como missão prestar serviço nocturno na central eléctrica, durante 15 dias. No resto do mês incumbia-se de contagens da água consumida no concelho, reparava e limpava motores, fechava e abria instalações de água e quaisquer outros serviços inerentes ao cargo.
Outro caso interessante prende-se com um fiscal e cobrador de impostos, em funções há cerca de sete anos mas cujo contrato de trabalho se extraviara. Passaria então a ter contrato anual e o vencimento de 550$00 mensais. Estava incumbido das cobranças de água e luz, das atribuições fiscais sobre munícipes com a faculdade de autuar e tendo comparticipação legal nas coimas que aplicasse; cobrava as taxas de utilização do mercado e auxiliava nos serviços da secretaria da câmara, se necessário.
Em 1940 era já obrigatório o seguro de acidentes de trabalho do pessoal camarário, passando a estar abrangidos o electricista e o condutor de motores. A seguradora era a Companhia de Seguros Fidelidade.
Na sessão de 24 de Outubro de 1941 a vereação decide mandar afixar, no átrio dos Paços do Concelho, os deveres dos seus funcionários, transcrevendo artigos do Código Administrativo.
Ao art.º 500.º é acrescentado o seguinte: "Em cumprimento do dever a que se refere este número, ficam obrigados todos os funcionários deste município a darem todas as explicações que o público solicitar e a tratá-lo com respeito e veneração. Todas as pessoas que se dirigirem a qualquer funcionário, pedindo quaisquer informes e que não sejam atendidas convenientemente – com deferência e correcção – deverão imediatamente comunicar o facto, por escrito, à câmara, para que esta se possa habilitar a proceder contra o funcionário ou funcionários apanhados em falta".
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