10 outubro 2011

Breve Reflexão sobre o Documento de Reforma da Administração Local e suas Implicações no Concelho de Alcochete

Foi apresentado, em finais de Setembro, o Documento Verde de Reforma da Administração Local, o qual visa promover, a par de um saudável reforço do Municipalismo, a melhoria da gestão do território e da prestação de um melhor serviço público aos cidadãos. A pretensão de introduzir mudanças significativas na governação autárquica tem como propósito, em boa verdade, resolver os problemas e os bloqueios estruturais hoje subjacentes ao Poder Local. De todos conhecidos e que jamais se ultrapassarão negando a realidade. Resolver o presente, tem como fim garantir o futuro.

Com este documento, ainda um projecto de trabalho em versão preliminar, ponto de partida para um debate que se deseja alargado, o Governo anuncia a sua vontade política de realizar, conjuntamente com toda a sociedade portuguesa, uma reforma na gestão, uma reforma no território e uma reforma política nas estruturas do Poder Local.

Como nele consta, a reforma da Administração Local incidirá sobre quatro eixos prioritários de actuação. São eles: o Sector Empresarial Local (SEL); a Organização do Território; a Gestão Municipal, Intermunicipal e, por último, o Financiamento e a Democracia Local..

O tronco estrutural único desta reforma tem, no fundo, como objectivo garantir a sustentabilidade financeira dos municípios, regular a área de intervenção dos autarcas, impulsionar a mudança de paradigma da gestão corrente, ganhar escala na economia dos recursos e melhorar a coesão territorial.

Promover esta reforma, em tempos de indisfarçáveis restrições financeiras, exige uma prévia discussão construtiva, supõe a obtenção de um consenso o mais alargado possível e, acima de tudo, impõe rigor no modo como tem de ser aplicada no tempo. No respeito por um cronograma definido sem dilações estéreis. Mas que se afigura indispensável para ajudar a mudar Portugal, tanto mais que a mesma se encontra incorporada no compromisso político assumido com as instâncias internacionais no âmbito do Memorando de Entendimento.


Em Alcochete, este documento terá algumas repercussões na estrutura autárquica vigente, no modelo de gestão que vem sendo prosseguido e, possivelmente, no tocante aos limites territoriais do concelho. Está-se ainda em tempo de compreender todas as implicações que a reforma irá acarretar. Alguns estão atónitos, outros desejosos de mudança e alguns mais preocupados com a perda de poder e de influência. Para já o que se nota, entre a maioria das nossas gentes, é o tradicional imobilismo de quem se acomodou a conviver com o poder hegemonicamente dominante e dele esperar sempre a primeira palavra e as primeiras reacções.

Muita água irá correr debaixo da ponte...

No entanto, antecipando o que aí vem, gostaria de deixar aqui algumas reflexões sobre cada um dos quatro pilares estratégicos de actuação e suas consequências para Alcochete.


Relativamente ao Sector Empresarial Local, uma área que requer uma cuidada monitorização e exige medidas drásticas de combate aos exagerados níveis de endividamento que caracterizam a generalidade dos municípios portugueses, no caso do nosso concelho, dada a inexistência de entidades públicas empresariais, não se impõe a tomada de qualquer intervenção específica. De acordo com os dados disponíveis, as responsabilidades da CMA em empresas intermunicipais ou em outras entidades públicas não atingem montantes anormalmente elevados pela prestação dos serviços fornecidos. Contudo, apesar disso, no âmbito global da rubrica de despesa “Aquisição de bens e serviços”, a persistente acumulação de dívidas a terceiros assume já contornos deveras preocupantes e é motivo de alguma inquietação.

Há, todavia, um aspecto a ter em consideração pelos nossos autarcas e que carece de uma atenta observação. Tem a ver com a Divisão de Águas e Saneamento. Encontra-se em apreciação pública, nos termos do CPA, o Regulamento de Abastecimento de Águas e de Drenagem de Águas Residuais. Será então o momento adequado para colocar em vigor o princípio do utilizador/pagador, passando a garantir-se assim o equilíbrio de exploração no fornecimento deste serviço e provendo as necessidades futuras em termos de próximos investimentos.

Em síntese, no que ao SEL se refere, nada se prevê que de importante se passe porquanto nunca foi utilizado na CMA o capcioso esquema de constituir empresas ou entidades empresariais com o fim destas criarem dívida para financiarem as actividades da autarquia.


Quanto à Organização do Território, segundo a proposta colocada na mesa, o concelho de Alcochete irá sofrer, em princípio, alterações no seu actual figurino territorial. Na matriz que tipifica os critérios orientadores, a tipologia do município integra os chamados critérios de nível 3 (município com população inferior a 25.000 habitantes, com uma freguesia, a de S. Francisco, de área maioritariamente urbana e as duas restantes, Alcochete e Samouco, de área predominantemente urbana), o que, assim sendo, vai significar uma modificação substancial na sua estrutura organizacional. Perde uma das três freguesias, a de Samouco, a qual, em princípio será agregada à freguesia de Alcochete , sede do Município..

Porém, para além dessa mudança, entendo ainda, ser este o momento ideal para repensar a contiguidade territorial com o município vizinho do Montijo. Aproveitando para se efectuarem alguns ajustes nos limites de um e outro. O que contribuiria para uma maior coesão territorial e melhorava a qualidade de vida das populações.

Não se percebem as razões que conduziram a que o aglomerado urbano do Samouco esteja situado em 4/5 da sua área no concelho de Alcochete e em 1/5 da mesma no concelho do Montijo. São razões históricas certamente mas sem sentido aos dias de hoje.

O aglomerado urbano da freguesia do Samouco possui unidade territorial, uma identidade histórico-cultural e uma memória colectiva bem vincada, vivendo numa simbiose perfeita com o município de Alcochete. Mas infelizmente encontra-se territorialmente “cortado numa das suas partes”, dividindo-se por dois concelhos. Seria de todo vantajoso que estivesse integrado num concelho único, facto que não se verifica e deve merecer ponderação atenta.

Por outro lado, o lugar da Fonte da Senhora está incluído no concelho de Alcochete quando seria de todo conveniente ser pertença do concelho do Montijo e integrado na freguesia da Atalaia dada a sua ligação e proximidade a esta freguesia.

Bem sei que existem questões prévias a resolver relacionadas com receitas provenientes do IMI, requalificação de AUGI”s, fornecimento de serviços, permutas de terrenos com classificação diferenciada, mas, havendo bom senso e adequada percepção da realidade, os limites territoriais de ambos os concelhos podem perfeitamente ser corrigidos, aproveitando-se, para o efeito, o projecto que brevemente será posto à discussão. Deixo aqui a sugestão ao Dr Luís Miguel Franco, ideia a ser trabalhada com a sua homónima do Montijo. As costas voltadas ou a defesa de “capelas” a ninguém beneficia. Todas as incongruências ou assimetrias detectadas que careçam de decisão intermunicipal podem agora ser solucionadas no âmbito do referido Documento Verde.

De resto, muito dificilmente o concelho do Montijo irá manter a sua actual descontinuidade territorial, um anacronismo nos tempos que correm, uma vez que se passam a considerar os conceitos de “unidade geográfica contínua” e de “coesão territorial” como factores determinantes na futura organização municipal.


No que concerne ao terceiro eixo, Gestão Municipal, Intermunicipal e Financeira, na CMA há que efectivamente dar prioridade à eficiência, promovendo as boas práticas na administração dos recursos disponíveis. Para o efeito, torna-se essencial ganhar escala na gestão corrente e nos investimentos, inovar no modelo de governação autárquica, simplificar a estrutura organizacional, reduzir a despesa pública e tentar caminhar para orçamentos realistas de base zero.

Só com esta lógica de reforço na eficácia na gestão, de racionalização dos recursos e de maior flexibilidade e simplicidade da orgânica interna se pode alcançar a sustentabilidade financeira. Tudo baseado num novo paradigma de captação de receita decorrente da revisão da Lei das Finanças Locais.

A autarquia de Alcochete possui um nível de endividamento avassalador mas continua a persistir num conjunto de opções onde não se detecta qualquer inversão de rumo. Prossegue num caminho de politicas erradas. Estão erradas as politicas de emprego público implementadas; as politicas de defesa da Escola Pública; as politicas de subsidiação indiscriminada ao movimento associativo ( sejam ou não instituições de utilidade pública) e as politicas de difusão de imagem e apresentação de conteúdos e formatos culturais, cujos estereótipos ideológicos nelas insítos são por demais evidentes. Isto e muito mais tem imperativamente de ser revisto. Porque os recursos escasseiam e o aumento da despesa não pode continuar.

E o que se disse não é exclusivo apenas da CMA embora seja esta o motivo do presente texto.

É assim de prever que a reforma da Administração Local irá implicar uma revisão profunda no actual enquadramento legislativo ao nível das atribuições e competências das autarquias. E consequentemente do seu financiamento.

No estado em como as coisas se encontram é que não se pode continuar pois o descalabro é susceptível de acontecer a qualquer momento...pondo em causa actividades, salários e pagamentos a fornecedores.

O Governo tenciona atribuir preponderância ao novo papel das designadas Comunidades Intermunicipais a fim de evitar os endividamentos excessivos das autarquias e entidades públicas empresariais, tendo contudo em atenção o respeito pelas especificidades e pela autonomia do Poder Local, que, numa lógica de descentralização, também devem prevalecer na esfera do municipalismo português.


No âmbito do quarto e último eixo estratégico que remete para o Financiamento e Democracia Local, a presente reforma pretende implementar novos modelos de funcionamento, embora assegurando sempre a devida representatividade do eleitorado nos respectivos órgãos. Nesse sentido, propõem-se alterações estruturais importantes, das quais se destacam: o estabelecimento do “executivo homogéneo monocolor”; a eleição do Presidente do Município; a nomeação e redução de vereadores; o reajustamento das competências do executivo e Assembleia Municipal e, por fim, a redução do número máximo de dirigentes municipais, isto feito de acordo com a tipologia do município.

A proposta da matriz de critérios orientadores, tal como se encontra apresentada, impõe que Alcochete venha a eleger quatro vereadores, dos quais apenas dois a tempo inteiro e tenha somente três chefes de Divisão como dirigentes intermédios de 2º e 3º grau.

A CMA possui actualmente quatro vereadores a tempo inteiro, outros dois sem pelouro e dez chefes de Divisão. Por aqui se antevê a reestruturação que será obrigada a fazer conquanto se acredite que com ela que não se irá verificar qualquer quebra de produtividade nos serviços. Bem pelo contrário.

Quanto à participação dos cidadãos e dos partidos na vida da autarquia, pensa-se que a representatividade politica e a pluralidade de opinião não serão postas em causa, esperando-se, isso sim, um reforço das competências das Assembleia Municipal relativamente à acção do órgão executivo.

Perante o que antecede, é visível que a CMA irá inexoravelmente emagrecer ao nível dos seus decisores eleitos e chefias dirigentes, com os inerentes benefícios que isso irá trazer às suas próprias finanças.


De salientar, por último, que o este Documento Verde constitui um legado de cariz eminentemente reformador que visa o reforço do municipalismo, a promoção da coesão e a competitividade territorial através do Poder Local. Alcochete certamente que ganhará com a mudança.



E Quanto à Eventual Fusão dos Municípios de Alcochete/Montijo...


Será igualmente curial trazer aqui à colação a eventual fusão dos Municípios de Alcochete/Montijo, possibilidade inscrita no citado Documento Verde e que deve constituir cenário a analisar.

Que vantagens? Que inconvenientes?... Quais os argumentos a favor, quais os argumentos contra?...

Convém de facto atentar na possibilidade e não recear nem titubear perante os interesses instalados. Por norma imobilistas.

De acordo com esta projecção, estamos a falar de um concelho com cerca de 477 km e uma população à volta de 70.000 pessoas.

Com aglomerados urbanos e uma ruralidade bastante similares. Muito homogéneos. Facilmente integráveis em município único. Que ganharia em economia de escala no âmbito da aglutinação dos recursos disponíveis; no domínio da unificação de um só orçamento; no domínio do planeamento de potenciais investimentos e na questão do ordenamento do território onde se alcançariam outros horizontes. Cuja influência, politica e institucional, na margem sul da área metropolitana da cidade de Lisboa e na CCDR/LVT seria certamente outra. Preservando, contudo, a identidade, a toponímia e os aspectos histórico-culturais de ambos os municípios .

Mas um outro aspecto seria de relevante importância na hipotética fusão destes municípios. A construção do NAL. Que apesar dos consecutivos avanços e recuos tudo indica que será uma realidade no decurso desta década. O NAL viria dar um impacto decisivo a este novo município. Uma infraestrutura susceptível de alavancar toda uma região mas particularmente o concelho onde se irá inserir. Ora é evidente que o NAL e as zonas concêntricas envolventes mais próximas, objecto das medidas restritivas de 2008, não devem ficar integradas em territórios de municípios vários como hoje acontece. O NAL deve ficar instalado num município apenas como é bom de ver. E esse município só pode ser um: o município que resultar da fusão dos concelhos Alcochete/Montijo.

O novo desenho territorial, ao incluir a globalidade dos terrenos do NAL e respectivos corredores de acesso, iria resolver também uma outra pertinente situação. Terminava de vez com a descontinuidade geográfica que presentemente caracteriza o Montijo. Melhorando a coesão e a competitividade de todo este território.

Vislumbra-se um manancial de oportunidades que escuso de enumerar. A eventual fusão pode traduzir ganhos de eficiência assinaláveis. Tudo em benefício das populações.

Uma ampla discussão municipal e intermunicipal merece este cenário. O mais detalhada possível.

Vamos por isso todos falar. Sem preconceitos nem receios.

Estamos numa década de oportunidades. Muitas vezes, lado a lado com o espectro da crise, surgem excelentes oportunidades. A inércia não se pode opor ao sentido dialéctico da história...

Lembrar, finalizando, que a última grande reforma do municipalismo português ocorreu em finais do século XIX com Mouzinho da Silveira. Mais de cem anos decorridos porque não avançarmos com este grande projecto reformista para a nossa região?...*



João Manuel Pinho

Samouco


* Texto escrito segundo o antigo acordo ortográfico.

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