Na edição do passado mês do "Alcaxete", um
artigo assinado por Vera Alves, cujo conteúdo, revelando uma atenta
observação às actividades da Câmara Municipal de Alcochete (CMA),
reporta para uma matéria que desde há muito vem sendo debatida em
vários fóruns e tertúlias do concelho: o excessivo número de
vereadores em regime de tempo inteiro e os correspondentes custos que
acarretam à autarquia.
O citado artigo aborda o assunto unicamente pelo lado da
despesa, estabelecendo um quadro comparativo com o município
congénere do Montijo, quase três vezes maior em área e população.
Dizer desde já que, indiscutivelmente, a autora tem razão.
A gordura e desperdício estão bem patentes quando a
CMA apresenta quatro vereadores a tempo inteiro, enquanto na homóloga
do Montijo existem apenas dois no mesmo regime. Esta até com uma
estrutura interna substancialmente maior.
Mas se observarmos o mesmo assunto por um outro prisma,
vamos também chegar a idêntica conclusão. Tudo foi feito
intencional e propositadamente, onde os valores, subjacentes à velha
ética republicana, que impõem tratar a “coisa pública” com
zelo e cautela, não se conseguem alcançar ou sequer vislumbrar.
Vejamos então.
Ao abrigo do Dec Lei 169/99 de 18Set, nos municípios
com menos de 20.000 eleitores, como é o caso de Alcochete, o limite
máximo estabelecido para vereadores em regime de tempo inteiro
encontra-se fixado em um. É a regra. É aquilo que deve ser a norma.
Porém, a Lei, tendo em conta o princípio da autonomia do Poder
Local, vem, no mesmo diploma, dispôr que o orgão colegial da Câmara
Municipal, isto é, os próprios vereadores em reunião plenária,
podem fixar um outro número naquele regime, excedendo os limites
previstos como regra.
Como é bom de ver, esta prerrogativa legal, que permite
ultrapassar o limite máximo, assume um carácter de excepção que
só em circunstâncias muito específicas deve ser utilizada. Mas é
a coberto dela que a CMA aproveita para definir aleatoriamente o
número dos seus vereadores em tempo completo. E do limite máximo de
um vereador passou logo para quatro. Despudoradamente.
Recorde-se que, em mandato anterior, entre 2005/09, com
a mesma coligação no poder, eram três os vereadores com pelouros
a tempo inteiro e, pelo que se conhece, bem chegaram. O que leva a
concluir que não são as reais necessidades da autarquia que
determinam agora a existência de quatro vereadores nesse regime, mas
sim outros interesses de natureza desconhecida. Com os consequentes
custos financeiros que este tipo de decisões ocasiona.
Por outro lado, na sequência da Lei nº 49/2012 de
29Ago, relativa ao pessoal dirigente na administração local,
encontra-se estabelecido que, em municípios como o de Alcochete, na
Câmara apenas podem ser providos quatro chefes de divisão
municipal. Mais não. Quer isto dizer que, na organização dos
serviços municipais, tudo se vai estruturar em função de quatro
unidades orgânicas ao nível de divisão. Todavia, este diploma já
entrou em vigor em finais de Agosto do ano transacto e, neste
momento, quase um ano e meio depois de ter sido publicado, tudo está
ainda por fazer. Inclusivé, a fase prévia do recrutamento e
selecção dos novos dirigentes.
Utilizando uma norma transitória, a CMA vem mantendo os
seus antigos chefes de divisão até ao final das suas comissões de
serviço. O que faz adiar “sine die” a implementação concreta
da referida Lei. Não aproveitando para reduzir custos com o seu
quadro de pessoal dirigente. Lamentavelmente.
De qualquer modo, desde logo se verifica que o executivo
municipal, em vez de adequar o número de vereadores e a nova
estrutura orgânica às exigências da Lei (menos vereadores e
somente quatro divisões), tudo faz para impor os seus próprios
desígnios e adiar o ajustamento que ela determina. Valendo-se de
normas de excepção e de mecanismos transitórios “faz como quer e
não como deve ser feito”. Usando os chamados “interstícios da
Lei”. Fá-lo, com fundada legalidade e legítima competência, é
certo...mas com duvidosa moralidade.
E
quando forem quatro as unidades orgânicas e quatro os vereadores a
tempo inteiro, provavelmente iremos ter um vereador para uma divisão
e respectivo chefe. Um facto inusitado. Será então caso para dizer
que teremos "um chefe a chefiar o chefe”. “Coisa” sem sentido
porquanto um pelouro de vereação pressupõe um quadro mais vasto de
actividades e tarefas, nomeadamente no domínio da estratégia e do
planeamento.
Situação que nos remete também para a designada
“funcionalização dos eleitos” ou, se quisermos, para a
“funcionalização da política”. Onde os políticos, ao
precisarem de emprego, se transformam em meros funcionários,
ocupando-se da administração corrente dos serviços quando para
isso existem os dirigentes municipais.
E pronto. Aqui chegados, torna-se então possível
constatar que a CMA persiste numa cultura de esbanjamento,
dificilmente compaginável com a escassez de recursos com que toda a
Administração se defronta hoje em dia. Ao permanecer com uma
estrutura interna num “limbo” de indefinição e ao manter um
corpo de vereadores nitidamente em excesso, não transmite uma imagem
de transparência e rigor. Na realidade, a dimensão dos problemas
financeiros da autarquia aconselhavam uma maior contenção e
moderação.
Por isso, todo o trabalho de denúncia pública e
combate à dissipação e ao despesismo na autarquia deve continuar a
ser uma constante na intervenção cívica dos democratas. Mostra-se
importante que a oposição mais esclarecida continue a assegurar o
escrutínio político num concelho onde a “tradição de esquerda”
está há demasiado tempo instalada no poder.
De resto, aqui em Alcochete, constitui um dever, para
todos aqueles que acreditam na pluralidade, a defesa intransigente
pelo direito à diferença, pelo exercício da livre opinião...e
pela afirmação dos valores da Liberdade e da Democracia.