Li algures que o "executivo municipal de Alcochete está inspirado nos ideais de Abril de 1974". Estará?
Não lhe reconheço ponta de inspiração e menos ainda na dos "ideais de Abril".
A sua prática parece-me muito distinta dos desígnios da Revolução dos Cravos, os quais – segundo uma definição feita há anos pelo falecido gen. Vasco Gonçalves – eram "o entusiasmo, a confiança, a esperança, o empenhamento, o sonho".
A crer nesse ideólogo da revolução, a mim parece-me que este executivo municipal tenta apenas sobreviver. Não lhe noto vestígios de entusiasmo. Duvido que a alguém inspire confiança e esperança. Parece-me sobretudo empenhado em fazer crer que tudo está bem, embora os boatos revelem o oposto mas nunca sejam desmentidos.
Para além de Vasco Gonçalves, outras interpretações da revolução apontam ainda para ideais de liberdade, de justiça social, de solidariedade e de fraternidade.
Quanto a isso também não vislumbro nada neste executivo.
A haver um ideal de liberdade, ele teria tradução prática, por exemplo, na redução das subsídio-dependências e na plena autonomia das instituições locais. A meu ver, o percurso tem sido inverso.
A injustiça social é evidente e só não a vê quem for cego. Sei ser longo e penoso o caminho da justiça social, mas nada fazer só agrava os problemas.
De solidariedade é bom nem falar. Há reciprocidade de interesses e de obrigações? Há partilha de responsabilidades? Há esforços para despertar toda a gente? Há motivos para ter a consciência tranquila?
Quanto a fraternidade, vamos de mal a pior. Por conveniência política, em meia dúzia de anos criou-se mais um dormitório de desenraízados, de desinteressados e de indiferentes.
Se houvesse inspiração nos "ideais de Abril" tudo seria feito para que as pessoas participassem activamente nas questões locais e saíssem do estado de alheamento persistente, cujas causas radicam nos políticos que as enganaram e desiludem.
Não pode haver inspiração nos "ideais de Abril" quando já ninguém sonha. Quando escasseiam os meios e, principalmente, a vontade de plantar e semear alguma coisa palpável e não apenas ilusões. Sobreviver tornou-se, infelizmente, no principal intento. Perdeu-se qualquer capacidade de acção e, sobretudo, de reacção. A miséria não é apenas material mas, primordialmente, intelectual e cultural.
Poderão florescer cravos numa sociedade de egoístas, de intrujões, de apáticos e de alienados governados por vendedores de ilusões? Haverá futuro assim?
Não é só a prática que destoa do passado. Também a teoria é diferente. Nem mesmo a criatividade renasce, quando sofre a erosão infelizmente monótona de mais uma comemoração de Abril.Só há forma, mas não há substância. O lema liberdade, igualdade e fraternidade foi de novo repisado como no ano passado como se retornássemos ao velhos ideais franceses da revolução burguesa do sec. XVIII.
ResponderEliminarA liberdade (de imprensa) está bem patente nos artigos publicados no Jornal de Alcochete que envergonham o pluralismo.
A igualdade de oportunidades (já não seria mau)demonstra-se no ranking de certa escola entre as 50 piores escolas do país.
O respeito pela solidariedade com os idosos apreende-se quando alguns suplicam um simples encosto no banco do jardim do largo de S. João